O
significado
Quantas
vezes ao lermos a Bíblia não tropeçamos em expressões ou termos que não
compreendemos? E quantas vezes optamos por prosseguir a leitura, sem saciar a dúvida? Por
exemplo, se tivermos conhecimentos para ler “Rosh Codesh” no
texto hebraico, ou então se ouvirmos um judeu referir-se a “Rosh Codesh”,
compreendemos ao que é que ele está a referir-se?… E se, no contexto bíblico,
(e agora já em português) nos depararmos com a expressão “Lua Nova”,… sabemos
do que se trata? É que, na Bíblia, “Lua Nova” está longe de se referir apenas e
somente a uma fase da Lua. Na verdade, não sendo um enigma bíblico, também não
tem um sentido totalmente transparente e óbvio, a menos que façamos uma pequena
viagem pelo mundo bíblico.
Na
verdade, “Rosh Codesh” e “Lua Nova” estão relacionados. Literalmente,
Rosh Codesh significa “cabeça do mês”, já que a palavra “Rosh”
tem a conotação de “primeiro”, ou “cabeça”. O Rosh Codesh (que
aparece no texto bíblico) ou “cabeça do mês” (literalmente) será, então, nem
mais nem menos que o início do mês, o primeiro dia de cada mês.
“O dia é
permitido!”
Obviamente
que naquela época o conceito de medição do tempo já era minimamente conhecido.
Mas não era um bem onipresente e sofisticado como é hoje. A informação relativa
ao tempo ou aos tempos, não entrava pelas casas de Israel com os cumprimentos
da NASA, nem por acesso com fibra óptica à Internet. Mudar de mês significava
tudo menos virar a folha de um calendário, ou comprar a revista preferida. Para
se determinar o momento em que a lua se encontrava na fase de “nova”, havia
dificuldades a vencer e critérios específicos a seguir. Na verdade, podemos
dizer que eram três os passos principais no tratamento dessa informação.
Em
primeiro lugar, o avistamento da lua tinha de ser testemunhado e reportado ao Sanhedrin (Sinédrio) em Jerusalém,
o mais depressa possível. Nesse passo específico, o testemunho de um
único indivíduo não era válido, mas a palavra de pelo menos duas testemunhas já
era aceite como verdadeira, dentro do espírito das normas Mosaicas que
regulavam a vida social e religiosa de Israel (Números 35: 30; Deuteronômio 17:
6; 19: 15). O dever
de reportar a nova fase lunar era tão importante que no caso de acontecer num sábado,
dava à testemunha imunidade em relação às leis restritivas do Shabbat. E
não somente a ela, mas também a todos os que tivessem de ajudar, quer com
alimentação, proteção ou outro tipo de ajuda, a fim de que lhe fosse possível
chegar rapidamente a Jerusalém com aquela informação (há um comentário pertinente em Mateus 12 verso 5 que diz: "Ou não tendes lido na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa"?). A urgência do processo
estava, obviamente, ligada aos sacrifícios do Templo relacionados com o Rosh
Codesh, os quais deveriam ser realizados na altura certa da Lua. Na cidade, as
testemunhas eram recebidas num pátio especialmente separado
para elas, onde lhes era provida uma boa refeição, no sentido de encorajá-las a
repetir o ato outras vezes no futuro.
Em segundo lugar, logo que o avistamento
era validado, entregava-se a informação no Sanhedrin. Muitas
vezes a notícia era corroborada por pinturas ilustrativas das fases da Lua,
onde as testemunhas identificavam e faziam corresponder o seu próprio
avistamento. A informação da altura correta servia para se determinar se o mês
seria de vinte e nove ou trinta dias. A frase que todos aguardavam da boca do
Príncipe do Sanhedrin era, então, proclamada: ”O dia é permitido!” E,
sem demora, todos começavam os preparativos no Templo no sentido de prosseguir
com as cerimônias sacrificiais necessárias à ocasião.
Em
terceiro lugar, não somente o povo em Israel, mas também a Diáspora (judeus dispersos
em outras nações) tinha de ter conhecimento do fato.
Em
Israel, a informação era passada através de mensageiros que partiam a cavalo
para todos os pontos, mais perto ou mais distantes. Para a Diáspora
utilizava-se um sistema bem elaborado de comunicações, que se valia da escuridão
da noite. No cimo do Monte das Oliveiras, uma vara de madeira com vários metros
de altura era incendiada, como um archote. A sua luz era vista noutro monte pré-definido,
onde, por sua vez, e utilizando o mesmo método, se passava a informação a outro
monte, atingindo-se com esse método cidades tão longínquas como Pumbedita
(Faluja), na Babilônia (Iraque), importante centro talmúdico e berço do Talmude
Babilônico. Aí, a informação era recebida com alegria, manifestada por cada família
através da imitação do sinal original. Isto fazia com que, de repente, numa
cidade a milhares de quilômetros de distância de Jerusalém, centenas de varas
flamejantes fossem erguidas na escuridão da noite, acendendo a cidade e os corações
dos judeus que nela viviam.
A
importância de se saber quando é que cada mês começava, estava ligada à vida de
cada homem em Israel. No Salmo 104, no versículo 19, encontramos a declaração
de que a lua, criada por Deus, tem a particularidade de apontar para as estações
do ano. Não é de admirar, pois, que fosse a regularidade da Lua a fazer de marcador
natural aos tempos.
A Festa
da Lua Nova
A
alegria que os judeus sentiam por cada novo Rosh Codesh não era um
sentimento vazio. À identificação da Lua Nova seguia-se uma Festa e esta,
envolvia o próprio Deus. Daí o motivo da alegria nacional.
A Festa
da Lua Nova não pertencia ao grupo das três festas principais, aquelas que
obrigavam a uma deslocação a Jerusalém. Era uma festa secundária, e, no
entanto, igualmente importante. Podemos aquilatar a sua importância pelo fato
de ter sido divinamente instituída, sendo que Deus requeria do adorador uma
postura espiritualmente honesta e verdadeira. Falhar de forma recorrente levou
muitas vezes Deus a manifestar o seu desagrado perante o eterno vazio a que a “religião”
sempre conduz.
O
Antigo Testamento apresenta-nos cerca de vinte e cinco referências à (Festa da)
Lua Nova. Por exemplo, através da leitura do primeiro livro de Samuel capítulo
20, ficamos sabendo que David costumava comer à mesa do Rei Saul nesse dia
(20:5). E também que, ao tomar a decisão de não comparecer a esse compromisso importante,
fez Saul reagir de tal forma que ficou claramente exposto o ódio que ele sentia
por David. Asafe, um dos cantores do Templo, proclamou a Festa da Lua Nova como
tempo de alegria, assinalada com o toque do shofar (Salmo 81: 3). Salomão
escreveu ao Rei de Tiro informando-o que se propunha construir um Templo em
Jerusalém, onde as Festas do Senhor teriam lugar, e mencionando particularmente
a da Lua Nova (II Crônicas 2: 4). E o próprio Deus, em dada altura, mostrou-se cansado
da hipocrisia de alguns adoradores, afirmando que já não suportava mais as
Festas da Lua Nova que o povo celebrava e Lhe dedicava (Isaías 1: 13-14).
Na
Festa da Lua Nova, “… nos princípios dos vossos meses…” eram
tocadas as trombetas de prata (Números 10: 10), e o shofar (Salmos
81:3). Os levitas faziam as suas ofertas rituais (I Crônicas 23: 31), e os negócios
eram temporariamente interrompidos (Amós 8:5). Rosh Codesh, ou Lua Nova,
era tempo de regozijo e celebração (Números 10: 10).
O Rosh
Codesh era a âncora do tempo, tanto para o agricultor, como para o adorador.
Como o homem do campo procederia para determinar o tempo ideal de semear o seu
sustento? Da mesma forma, sem um calendário claro, as festas que Deus exigia
que fossem celebradas “ao tempo apontado” (Êxodo 23: 15; 34: 18)
eram impossíveis de situar e de cumprir. Como celebrar, por exemplo, a Páscoa
segundo o requisito divino, em que “no primeiro mês, aos catorze dias do mês,
à tarde, comereis pães ázimos até vinte e um do mês à tarde” (Êxodo 12: 18)
se não fosse possível determinar o primeiro dia desse mês?
O
estratagema usado pelos opressores de Israel no tempo que antecedeu a revolta
dos Macabeus foi exatamente esse: proibiam (esta) Festa, fazendo com que as
(outras) Festas não fossem possíveis de celebrar, porque ficavam indeterminadas
no tempo. Era, pois, uma informação vital, na qual as suas vidas estavam
ligadas inexoravelmente pela obediência a Deus.
As
novas tecnologias tornaram obsoletos os métodos que levavam à identificação das
fases da lua. Hoje, Israel não comemora mais esta festa, e apenas uma pequenina
franja de judeus ortodoxos a relembra. Saber como ela se processava, no
passado, é apenas um enriquecimento para nós, mas também a oportunidade de
criarmos na nossa vida o desejo de renovação. Renovação em cada momento, agora
e sempre. Começar de novo, recomeçar, recomeçar sempre de forma melhor. Em
Jesus temos esse privilégio, o privilégio de experimentar uma renovação constante.
Sem calendário. Sempre que o nosso coração quiser. Pois não foi Paulo quem
afirmou que, como crentes em Jesus, “já vos despistes do velho homem com
os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento,
segundo a imagem daquele que o criou.”? (Colossenses 3:9-10).
Eduardo
Fidalgo
Beit Israel - Lisboa Portugal.
Beit Israel - Lisboa Portugal.
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