Muito pouco se tem falado ou escrito a respeito dos primórdios da
Igreja de Cristo em Roma, do ponto de vista histórico. Sabemos que o apóstolo
Paulo, ao escrever sua carta à Igreja que estava em Roma, sabia que ali se
encontrava um grupo de crentes fiéis que apresentavam uma fé consolidada e
firmemente estabelecida na Palavra de Deus.
Paulo já havia feito duas viagens missionárias e se encontrava em sua
terceira, rumando de Cencreia, distrito de Corinto, cerca de sete km desta,
para Bereia, regressando a Jerusalém, não sem antes propagar o Evangelho de
Cristo em várias outras cidades da Europa.
Sabemos por inferência das narrativas constantes do livro de Atos,
que os judeus deram muito trabalho a Paulo. Por inferência ainda, podemos
entender que os judeus chegaram a Roma bem antes dos cristãos se tornarem um
grupo e se reunirem como igreja. Inscrições nas catacumbas dos judeus em Roma
bem como documentos a eles alusivos dão conta de que houve ali alguns conflitos
em que vários judeus perderam a vida, ainda entre o segundo e o quinto séculos
da era cristã.
Segundo Richardson, havia pelo menos cinco sinagogas em Roma no
início do Séc. I, sendo estas de origem hebraica. Havia ainda outras sinagogas
provavelmente de prosélitos e amigos dos judeus.
Cícero (cerca de 59 a.C.), em sua apologética a Flaccus, fala de uma
grande comunidade judaica em Roma que se reunia em assembleias informais e
anualmente enviava ouro para Jerusalém.
Com a perseguição dos cristãos na Palestina e sua consequente
dispersão, alguns cristãos, de origem judaica, foram parar em Roma, sendo, a
priori, bem recebidos pelos judeus em suas sinagogas. Com o passar dos anos,
tanto pela pregação centrada em Cristo, o Messias, como pelo testemunho que
ostentavam diante dos seus patrícios ortodoxos, acabaram por ganhar vários
deles para Cristo, o Messias tão esperado por eles e que, segundo sua mensagem,
havia nascido em Belém, vivido inicialmente na Galileia, saindo de lá para
reunir discípulos e pregar as boas-novas da salvação tão esperada pelos judeus
hassiditas (hassidim = piedosos), vindo a sofrer a morte na cruz e
ressuscitando ao terceiro dia.
Dentre estes estavam Áquila e Priscilla que compreenderam a mensagem
de salvação e se tornaram testemunhas e pregadores nas sinagogas da Itália até
a expulsão dos judeus de Roma por Claudius, imperador romano, como nos informa
Lucas (At. 18.2) e Suetonius, historiador romano. O ano provavelmente era 49,
como nos infere Lucas (At. 18.11-12) e a inscrição de Gálio, procônsul da
Acaia.
Esta expulsão, segundo Osório, historiador cristão do Séc. V, teve
como motivo o ressentimento que tinham contra Cristo, algumas vezes querendo
tirar a vida de compatriotas seus, criando, destarte, confusões que poderiam
pôr em risco o império, já que muitos judeus eram cidadãos romanos e somente
Roma poderia decretar sua execução.
Como Áquila e Priscilla, outros judeus convertidos saíram de Roma e
foram para outras regiões. Todavia, o Evangelho cresceu devido à conversão de
gentios romanos que se apossaram da graça e se tornaram testemunhas de Cristo
em Roma.
O fato é que, alguns anos depois da expulsão dos judeus de Roma,
Paulo escreve sua carta endereçada aos cristãos daquela cidade (57). Febe, a
quem Paulo encomenda a partir da igreja em Cencreia, é que é ao que tudo
indica, a portadora da missiva. Alguns irmãos nela citados converteram-se a
Cristo antes de Paulo, o que indica a presença de uma igreja atuante e
comunicadora da verdade e da fé em Cristo Jesus.
Não gozando do apreço dos judeus incrédulos, os gentios convertidos
formaram sua própria comunidade cristã, recebendo, mais tarde, os irmãos judeus
que rompiam com o legalismo judaico em prol do evangelho da graça. Afinal,
foram eles que, do Pentecostes em diante, levaram o evangelho para suas
famílias e clãs na Europa e Ásia. Foi pela pregação deles que os demais judeus
e os gentios se converteram.
Levando-se em conta o conteúdo da Epístola de Paulo aos Romanos,
pode-se notar que os cristãos já eram uma comunidade, ou quiçá, várias
comunidades naquela cidade[1], alguns dos quais já haviam crido e recebido
Cristo antes mesmo de Paulo[2].
Considerando ainda a listagem de nomes de irmãos em Cristo aos quais
Paulo recomenda preciosas saudações, pode-se notar uma forte evidência do
desenvolvimento de um corpo de cristãos em Roma antes mesmo de ter o apóstolo
mantido qualquer contato com os mesmos[3].
A considerar a prioridade dada pelo apóstolo em suas saudações ao
casal Áquila e Priscila, percebe-se que estes já haviam retornado a Roma, após
terem sido de lá banidos por Cláudio. É, inclusive, bem provável que tenha
surgido uma comunidade cristã de gentios independente das sinagogas judias
antes mesmo do decreto de Cláudio em 41[4].
COMO O EVANGELHO SE ESPALHOU DE JERUSALÉM A ROMA.
Uma das teorias, por sinal convincente, é a de que dentre os
visitantes estrangeiros em Jerusalém havia vários romanos, alguns de origem
judaica e outros funcionários e familiares destes que residiam em Jerusalém,
embora não sendo de origem judaica[5]. É bem provável ainda que muitos destes
romanos visitantes, embora sendo judeus, mantinham a cidadania romana e, ao
regressar a Roma convertidos, passaram a se reunir nas sinagogas e a relatar os
fatos com a sobeja orientação do Santo Espírito de Deus (promessa cumprida).
Destarte, muitos judeus romanos creram na Palavra e outros, por
rebeldia, passaram a persegui-los, ocasionando a ira do imperador Cláudio que
acabou banindo os judeus cristãos de Roma.
Um fato interessante é a menção que Lucas faz, em Atos 6.9, de judeus
da sinagoga dos libertinos[6]. Se alguns desses judeus receberam e creram no
Evangelho, isso tornou possível a sua recepção nas outras regiões, inclusive em
Roma[7].
CONCLUSÃO
A julgar pelo exposto, fica até certo ponto claro que judeus
convertidos, que não tinham relação com a nata apostólica, levaram o Evangelho
até a grande Roma, de onde se espalhou pelas sinagogas localizadas em todo o
império, graças ao decreto de Cláudio que, embora banisse os judeus de Roma,
não os proibia de ir para outra parte do império, o que promoveu e espalhou a
boa semente nas outras regiões.
Coisas de Deus, a Quem toda a honra e toda a glória! Amém!
[1] Romanos 15.22-24.
[2] Romanos 16.7.
[3] Romanos 16.1-16.
[4] James C. Walters, “Romans,
Jews, and Christians: The Impact of the Romans on Jewish/Christian Relations in
First-Century Rome,” in Judaism and Christianity in First-Century Rome (ed. Karl P. Donfried
and Peter Richardson; Grand Rapids: Eerdmans, 1998), 177.
[5] Pedro emprega o verbo epidemeo (epidhmew), o que indica que eram
visitantes de Roma alojados em Jerusalém para as comemorações da festa da
Páscoa. O termo ainda abriga os romanos que, por força de governo autoridade
imperial, residiam por muito tempo em Jerusalém.
[6] O termo é latino e se aplica aos judeus de cidadania romana que
foram libertos por seus compatriotas abastados que já viviam na Itália de há
muito.
[7] Schnabel, Christian Mission,
805; Bruce, “Romans Debate,” 178, Cranfield, Romans, 790.
Postado por: FugadeRoma@blogspot.com
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